Há 19 anos, Mônica sofre e não sabe exatamente do quê. Possui uma doença de diagnóstico inconclusivo. Segundo ela, nem os médicos sabem dizer com precisão qual é a condição que a afeta, tampouco o tratamento ideal para que ela recupere a vida saudável que tinha até os 17 anos — hoje, sem poder sair de casa sozinha e passando boa parte de seus dias na cama, a mãe de dois jovens tem 35.
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Vivendo com a doença desde o fim de sua adolescência, Mônica Braulino Nery nunca pôde trabalhar. Quando jovem, tinha o sonho de ser professora, mas passou por uma dura interrupção no terceiro e último ano do Ensino Médio, quando sua condição — “inchaços, vômitos, diarreia seguida de períodos de constipação e perda de peso”, conta — a afastou das aulas e a impediu de se formar.
Somente após anos ela preencheu o espaço que faltou no colégio: “Depois de várias tentativas de tratamento, tive uma época saudável. Não quis nem saber de esperar: fiz o supletivo, concluí o segundo grau e finalmente me formei”. Graças a um convênio médico do ex-marido e pai de Gabriel e Sabrina, seus dois filhos, ela teve acompanhamento frequente e fez uso dos mais variados medicamentos, que não sanavam seu problema.
“À medida que cada remédio que me indicavam não funcionava, eles (os médicos) iam descartando possíveis doenças. Era frustrante não saber o que eu tinha e ver as possibilidades se acabando. Pelo menos, fiquei por algum tempo em uma condição mais estável”, conta.
Mônica relata que, “com o convênio, houve um período de melhora, com alguns episódios de diarreia. Mas não era uma coisa horrível, eu não achava que eu ia morrer”. Ainda que emergenciais, as soluções eram mais simples: “Ia no Pronto Socorro, passava uma sondinha no nariz, melhorava e voltava para casa. Fiquei anos assim”.
Em 2009, depois do divórcio —“a separação teve nada a ver com minha condição; ele, inclusive, sempre me ajudou como podia”, destaca —, Mônica resolveu procurar o Hospital das Clínicas. De abril daquele ano até novembro, foi internada e passou por uma bateria de exames para tentar descobrir sua condição. O diagnóstico, no entanto, foi inconclusivo: “pseudo-obstrução intestinal crônica”.
“É ‘pseudo’ porque não há uma obstrução. Tanto que, às vezes — são poucas —, eu consigo ir ao banheiro sem precisar da sonda, mas com alguma dificuldade. Se eu consigo, não é uma obstrução de verdade”, explica a ponderada Mônica. “Eles (os médicos) mesmos me disseram que o que eu tenho não existe na literatura médica”, completa.
A moradora de um modesto sobrado no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, alimenta, ainda que de forma tímida, o desejo de recuperar sua saúde e, assim, ir atrás do que for preciso para poder lecionar. Há, entre agora e a realização do sonho, um longo caminho e o medo de não resistir. “Minha situação está piorando. E ainda não me deram respostas. As alternativas que tenho nesse momento são inviáveis”, diz Mônica.
Medicamento importado Vs. transplante: o dilema de Mônica
Os medicamentos e a sonda, que antes lhe bastavam, não têm mais o mesmo efeito há cerca de dois anos. “As dores aumentaram muito, a minha barriga não desincha mais com a sonda. Tenho medo do que pode acontecer, porque só piora”, diz Mônica.
A rifaximina, remédio indicado por seu médico como uma possível solução, não tem comercialização permitida no Brasil, e só pode ser comprada por empresas de importação — todas vendem o produto a um preço fora da realidade da paulistana. Ela conta que testou o remédio apenas por um mês, e que teve bons resultados.
Porém, Mônica diz que, para conseguir o remédio, precisou fazer uma vaquinha entre familiares. “Dessa vez, estou fazendo uma pela internet. Mas não dá para viver de vaquinha. Para ficar seis meses bem, preciso arrecadar mais de R$ 5000”, lamenta.
A outra solução seria o transplante de intestino, disponível no Hospital das Clínicas. À reportagem do R7, o HC afirmou que este tipo de transplante foi feito, de forma isolada, apenas duas vezes. Em ambas, sobreviveram: a primeira, ao fim de 2017, é o maior caso de sobrevida no país; na segunda, o paciente segue em recuperação.
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No entanto, Mônica conta que os médicos disseram que o procedimento deveria ser tratado como última opção, pois as chances de sobreviver seriam baixas. Sobre a orientação de evitar o transplante relatada, a assessoria do hospital afirmou que não poderia falar de forma detalhada sobre o caso da paciente.
Ela afirma que, se pudesse, pediria à Justiça para fazer o transplante fora do Brasil. “Eu soube que em Miami a chance de sobrevida é muito grande”, diz ela, que lamenta: “Como o transplante já existe no Brasil, dificilmente permitiriam. Já ouvi muitos casos de conhecidos que passaram pela mesma situação. É muito desgastante, prefiro evitar”. À medida que sua condição se agrava, o desencontro de informações a incomoda cada vez mais. “Eu não sei se posso ir à Justiça para que viabilizem o remédio para mim, não sei se o transplante é confiável”, lamenta ela, que completa: “Eu quero respostas”.
Em contato com a reportagem, Rodrigo Vianna, diretor do setor de transplante de órgãos sólidos do Miami Transplant Institute, nos Estados Unidos, e médico do Jackson Memorial Hospital, confirma a alta porcentagem de sobrevida no local e comenta sobre o assunto.
“A sobrevida hoje em dia nos Estados Unidos é muito boa. No nosso serviço, por exemplo, é acima de 90% em um ano, e acima de 70% em cinco anos. Miami é o maior centro do mundo atualmente com a mais alta sobrevida. Não sei dizer qual é a sobrevida no Brasil, pois, na experiência inicial, a maioria dos casos foi a óbito”, explica Vianna.
Sobre riscos, o médico afirma que “sempre existem, em qualquer transplante. Quanto mais grave o caso e mais avançada a doença, maior a mortalidade, pois é uma cirurgia muito grande”.
À medida que a condição de Mônica se agrava, o desencontro de informações a incomoda cada vez mais. “Eu não sei se posso ir à Justiça para que viabilizem o remédio para mim, não sei se o transplante é confiável”, lamenta ela, que completa: “Eu quero respostas”.
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Mônica conta também sobre o sofrimento ao ler o laudo dos médicos sofre a condição que tanto a fazia sofrer: “Eles já haviam me falado da gravidade do quadro. Eu estava ciente. Mas, quando li que não há cura' e que só o transplante poderia ajudar, isso me abalou muito. Foi muito forte para mim”. “Eu tenho o direito de escolher não viver desse jeito”, diz ela, aos choros.
Rodrigo Vianna acredita que a experiência das equipes de Miami poderia ser melhor aproveitada: “Sempre achei que uma parceria com algum hospital nos Estados Unidos seria proveitosa, pois já realizamos estes transplantes aqui há décadas . Esta experiência conta muito, pois o time inteiro, desde enfermeiras, médicos, nutricionistas, etc. estão familiarizados com este tipo de paciente”. “O treinamento constante é vital para encurtar a curva de aprendizado”, completa.
Família e ‘namorado-paciente’ ajudam
Todo o apoio — emocional e financeiro — a Mônica vem dos pais, filhos e do namorado, o qual conheceu no Hospital das Clínicas.
Assim como a namorada, Osmar também é paciente no HC e tem problemas no intestino: seu intestino tem apenas 20 cm, quando deveria ter, no mínimo, seis metros. Embora consiga se alimentar por via oral, seu meio de nutrição principal é a nutrição parenteral (pelas veias).
“Nos conhecemos no setor de gastroenterologia. Marcamos um encontro para conversar sobre como cada um levava a vida com os cateteres e trocar ideias. Esse encontrou levou a outro, e mais um... Até que, no mês que vem, completaremos seis anos de namoro”, conta ela.
Mônica vive com os filhos na casa de seus pais. “Eles me dão todo o suporte para seguir com o tratamento. Como não podia trabalhar por estar doentes, eles acolheram a mim e aos meus filhos, e já moro aqui há cerca de dez anos”, diz ela.
A criação de Gabriel, 20, e Sabrina, 17, também foi prejudicada: “Não pude criá-los tão plenamente quanto se espera de uma mãe. Ficava semanas ou até meses internada. Isso foi constante na minha vida, por cerca de dez anos”. “A partir de 2011, tive uma certa estabilidade na saúde e pude conviver mais com eles”, conta.
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Companheira, a filha mais nova diz que gostaria de ter mais tempo passeando e curtindo momentos com mãe. “Nunca pudemos viajar. Isso é muito triste. Significaria tudo para mim se ela melhorasse”, diz Sabrina.
Mônica relata que se sente muito grata pelos filhos que tem: “Eles sempre foram obedientes, amorosos... Ajudavam e ainda ajudam muito nos afazeres doméstico. De quebra, ajudam muito a cuidar de mim. Às vezes tenho muita dor muscular, dor no abdômen, e acabo ficando mais deitada do que de pé. Aí eles me trazem comida, água, enfim... São muito companheiros”.
Aos 46 anos, Francisco supera previsão de médicos: ‘Não chegará aos 12’
Nascido em 1973, Francisco Muniz nasceu no oitavo mês de gestação de sua mãe, após uma cesariana. “De cara, os médicos informaram que ele teria muitos problemas. Disseram que tinha todos os órgãos grandes — coração, fígado... — e desconfiavam de hidrocefalia, pelo tamanho da cabeça dele. Foi diagnosticado com rebaixamento mental e [síndrome de] down”, conta Arnaldo Muniz, irmão e um dos responsáveis pelos cuidados de Francisco.
Arnaldo, 55, conta que, segundo os médicos, seu sobrinho não chegaria aos 12 anos. Ao contrário das expectativas, Francisco resistiu e cresceu com suas limitações.
Após avaliações e acompanhamento na Apae até os seus 14 anos, concluiu-se que Francisco tinha um “rebaixamento severo” e possuía baixo nível de aprendizagem. Ele, que só andou até o cinco anos de idade, e não se alimentava com sólidos — Arnaldo explica que o sobrinho se engasgava devido a um estreitamento na laringe —, teve dificuldades sérias durante seu crescimento.
“Eu era pequeno. Como estávamos em um 'ninho' de seis irmãos, demoramos a perceber todos os problemas. Mas, aos pais, foi um baque, porque não havia ninguém com essas condições na família”, relata Arnaldo.
Alegre, Francisco adora se divertir com brinquedos e assistir a programas de televisão e novelas. “Ele possui um lento aprendizado, mas sempre foi muito amoroso e dócil”, diz o irmão, que divide os cuidados de Francisco com os pais.
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“Ele tinha muitas síncopes, caía de repente. Posteriormente, fizemos uma avaliação genética no hospital São Paulo. Lá, descobriram que, além de tudo, ele possuía degenerescência precoce. Nos disseram que, no mundo, só existiam 50 pessoas como ele, com os mesmos sintomas e características”, relata Arnaldo.
Dependente de seus familiares para tudo, Francisco usa fraldas, pois não tem controle sobre os esfíncteres, e não tem mais seus dentes. O irmão relata que o quadro, segundo os médicos, é irreversível. Apesar da gravidade da doença, o tratamento dele se restringe a acompanhamentos de rotina.
Para Arnaldo, o sobrinho é um exemplo de luta e força. “Muito do que é a vida do Francisco foi por luta dele mesmo. Após muitas quedas, achávamos que não resistiria, mas ele se esforçava e se mantinha. Claro que a atenção, o amor e os cuidados deram resultados, mas é a força e a alegria de viver que o mantêm vivo”, diz o irmão.
#RareDiseaseDay
Esta quinta-feira (28) marca o Dia Internacional das Doenças Raras ou, em inglês, Rare Disease Day. O objetivo da data, que ocorre sempre no último dia de fevereiro, é chamar a atenção para as autoridades públicas sobre doenças raras e seus impactos nas vidas dos pacientes.
De acordo com a organização, que começou na Europa, em 2008, e, dez anos depois, já chegou a 90 países, existem, no mundo, entre seis e oito mil doenças raras. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, há cerca de 13 milhões de pessoas que se enquadram nestas condições.
A campanha global (rarediseaseday.org) teve o slogan no Brasil traduzido para "As doenças podem ser raras, mas o cuidado não! Mostre que você se importa."
De acordo com a organização, as principais associações de pacientes estão engajadas na campanha são a Mães Metabólicas, do Rio de Janeiro, e a Vidas Raras, de São Paulo.
Saiba quais são as doenças rara mais comuns no Brasil:
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