Cinco anos após a morte da estudante Victória Natalini, de 17 anos, a Polícia Civil ainda não concluiu o inquérito do caso. A adolescente morreu durante a excursão de alunos da Escola Waldorf Rudolf Steiner à Fazenda Pereiras, em Itatiba (SP). Peritos particulares contratados pela família afirmam que Victória foi vítima de homicídio.
Em setembro de 2015, um grupo de alunos viajou para uma fazenda para participar de um trabalho de matemática. Os alunos foram divididos em grupos de três. Durante a tarefa, Victória avisou que precisada ir ao banheiro na sede da fazenda, a 500 metros.
"Ela avisou aos colegas, isso mais ou menos às duas e meia da tarde, ela desceu", relata o pai.
O tempo passou. A tarefa terminou e a estudante não voltou.
"Quando foi quatro e meia da tarde, então, os colegas dela desceram, perguntaram da minha filha", diz o pai. "A professora pediu que eles fossem até os alojamentos pra verificar se ela estava lá, ela não estava, e, por mais incrível que pareça, essa... essa professora, essa tutora, ela colocou todos os alunos à caça da minha filha no meio do mato."
Mas ninguém encontrou Victória. Uma cozinheira que trabalhava na fazenda chamou a polícia. Seis horas depois, o pai foi avisado que a filha estava desaparecida.
"Depois disso, nós empreendemos buscas, né, o que deu durante a noite, a Defesa Civil fez. Na manhã seguinte, logo ao raiar do sol, todas as pessoas que estavam perto, inclusive pessoas de fazendas vizinhas, o próprio COI foi mobilizado, pela família e não pela escola."
A busca foi intensa. Ainda pela manhã, o helicóptero Águia da Polícia Militar achou o corpo da adolescente. Junto com a tristeza, começaria uma luta do pai da jovem.
"Buscar justiça pra casos como o que vitimou a minha filha, é uma, um calvário, é um grande sofrimento pra toda e qualquer família, porque, no nosso caso, por exemplo, a investigação criminal, ela não anda."
O laudo da perícia indicou causa indeterminada para a morte de Victória. A Polícia Civil de Itatiba, de início, tratou o caso como morte natural, por não perceber ferimentos.
"É um absurdo, uma menina que tinha uma alimentação irrepreensível, praticava esporte três vezes por semana, fazia natação duas vezes por semana, era ativa, só tinha bons hábitos, dormia oito horas por noite pelo menos."
O médico legista Badan Palhares afirma: "Em qualquer ato que você vá trabalhar com um corpo inerte, ou seja, uma morte, você tem que ter como primeiro elemento objetivo, aquilo é um homicídio".
Inconformado com a falta de respostas, o pai da estudante contratou peritos particulares. Badan Palhares afirma que o trabalho da perícia naquele dia foi muito fora do normal.
"Erros podem acontecer. Mas os erros não podem ser tão graves a ponto de encobrir um fato maior."
O corpo de Victória foi encontrado de bruços, com os braços cruzados e o rosto dentro dos braços, o que, segundo os peritos, indica que o corpo foi colocado naquela posição e não teria morrido daquela forma.
Segundo fato: a dois metros do corpo da adolescente foi encontrado um saco plástico, que não foi recolhido pela equipe da perícia que esteve no local no dia da morte. E, terceiro: ao lado do rosto da jovem tinha um pedaço de capim com sangue. O capim não foi recolhido pela perícia.
O perito criminal Osvaldo Negrini destaca: "Havia ferimentos, sim, escoriações, um machucado na boca, o pé tinha um sangramento nos dedos, em alguns dedos, nós não verificamos nenhuma análise da meia que ela tava utilizando".
Badan Palhares acrescenta: "Ao avaliar os lábios, a posição da língua e os dentes sobre a língua, e até ahn, um, o hematoma que existia ao nível do nariz, chamou a atenção".
Palhares e Negrini fizeram um laudo totalmente contrário ao do estado onde afirmam categoricamente que a adolescente não morreu de causas naturais, e que tudo indicava homicídio.
"Houve uma força que impedisse ela de respirar, tá certo, causando então a morte por asfixia", diz Negrini.
O novo documento foi aprovado por uma junta de médicos do Instituto de Criminalística, mas a investigação da Polícia Civil não parecia estar no mesmo caso.
"Nós municiamos a polícia desde o início desse inquérito", afirma o pai. "Em Itatiba, quando nós procuramos fazer com que eles investigassem e não houve nenhum tipo de retorno da investigação do delegado, quanto depois, quando o inquérito passou a ser presidido diretamente pelo DHPP."
A família não se conforma que um dos principais suspeitos, ex-funcionário da fazenda, não tenha sequer sido investigado.
"A gente tá falando de uma pessoa que tinha, primeiro, passagem pela polícia por tentativa de estupro, segundo, que tinha empreendido o mesmo tipo de violência física, na menina que ele tentou estuprar."
O pai de Victoria questionia também o comportamento da escola alemã Waldorf Rudolf Steiner, onde a menina estudava.
E escola segue o método Waldorf, que diz valorizar o ser humano e trabalhar o aprendizado físico, espiritual, intelectual e artístico.
"Além de eles não terem tomado nenhum tipo de providência pra nos dar suporte, inclusive psicológico, para a minha filha caçula, que era aluna na época, eles não deram suporte nenhum pra família após o ocorrido, não houve nenhum tipo de interesse deles em resolver o caso."
"Todo e qualquer aluno que iria testemunhar na delegacia, estava sendo acompanhado por um advogado fornecido pela própria escola, que estava orientando o depoimento das testemunhas", diz o pai.
João Natalini também afirma que alguns pais de alunos deixaram de falar com ele, e que o assunto na escola era que Victória podia ter usado drogas. As perícias do estado e a particular afastaram esta hipótese.
O dono da Fazenda Pereiras é um ex-aluno da escola Waldorf. A reportagem do Domingo Espetacular não conseguiu falar com ele. O telefone dado no inquérito não existe mais.
A advogada criminal Simone Badan Caparroz, que trabalha para a família diz não ter dúvidas que boa parte dos alunos e funcionários da fazenda e da escola mentiram nos depoimentos. "Há várias pessoas que mentiram, tiveram inclusive oportunidades pra ratificar o depoimento, mas não o fizeram, e nós já formulamos esses pedidos de indiciamento de falso testemunho, e esperamos que sejam deferidos pela autoridade policial que agora passou a presidir o inquérito", afirma.
Na Justiça Civil, o pai de Victória ganhou direito a uma indenização, mas a escola recorreu.
"Quando você entrega um filho numa escola, a escola passa, a partir daquele momento, a ter o dever de segurança, proteger a criança, a sua integridade. Seja em atividade interna na escola, seja em atividade de excursão, seja em atividade extracampo", diz o advogado Rui Reali Fragoso.
Já o processo penal, para apurar o assassinato de Victória nem começou porque a Polícia Civil não concluiu o inquérito. O Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) afirmou em nota que as investigações seguem em sigilo, e que ainda vão ouvir testemunhas e realizar exames para elucidar os fatos.
A escola Waldorf Rudolf Steiner disse em nota que lamenta a morte da aluna, que tem contribuído com as autoridades, é solidária à família e está à disposição da Justiça.
Quanto mais o tempo passa, maior é a angústia do pai de Victória."Eu como pai, que já passou pela fase, primeiro de tar sendo quase morto, né, por, pela tristeza de se perder uma filha, depois pelo fato de estar com uma mágoa imensa dentro do peito, porque as investigações não andavam, agora como um pai que está completamente boquiaberto e que não tem mais outra alternativa sem ser pedir ajuda da, das autoridades pra que a polícia possa fazer e terminar o trabalho dela."
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